ANPD e os dados de criancas e adolescentes

A FALTA DE EFETIVIDADE DA LGPD E SEUS CONTROLES COM RELAÇÃO AOS DADOS PESSOAIS DE CRIANÇAS E DE ADOLESCENTES

A omissão perniciosa da ANPD em cumprir com suas funções institucionais

No dia 04.11.2024, a ANPD abriu uma investigação contra o TIK TOK “por potencial tratamento irregular de dados de crianças e adolescentes”.

Por que demorou tanto para fazer isso? Já se sabia de longa data que o TIK TOK tem inúmeros problemas ao tratar dados de crianças e de adolescentes. Mas é só o TIK TOK?

Lógico que não. A ANPD sabe disso e, dentro da sua política de defender empresas¹, continua descumprindo o seu dever legal de investigar outras milhares de infrações relacionadas ao tratamento ilegal de dados pessoais de crianças e de adolescentes.

A investigação do TIK TOK veio com atraso, mas é seletiva quando se enxerga a rapidez com que foi finalizado o processo contra a META, que claramente coleta dados de crianças e de adolescentes, sem consentimento nem transparência, e os compartilha ilegalmente com as empresas do grupo ou fora dele.

Investigações ocorridas em vários países apontam que a META compartilha indevidamente dados de crianças e de adolescentes, em total dissonância das normas de proteção de dados pessoais. Inúmeras multas têm sido aplicadas contra a META, por tratamento indevido de dados pessoais:

Diante da constatação internacional de que a META é uma empresa que não cumpre com a LGPD, qual é a justificativa da ANPD em não continuar a investigação contra a META? Por que só o TIK TOK? E quais são as próximas empresas que serão investigadas? Quais são os critérios que a ANPD estabelece para iniciar uma investigação? Não sabemos e nem temos por onde começar a encontrar respostas de dentro da autarquia especial.

Contudo, o caminho a seguir é o de escavar as respostas em processos judiciais fora da alçada administrativa da ANPD. Em processo movido pelo Instituto SIGILO contra a META na 7ª Vara Cível do Foro Central da Capital de São Paulo, Proc. n. 1046324-90.2021.8.26.0100, a ANPD, quando obrigada a informar se estava investigando a META por compartilhamento ilegal de dados pessoais, incluindo-se dados pessoais de crianças e de adolescentes, deu a seguinte resposta:

“8. O processo está, atualmente, em fase de elaboração da Nota Técnica que corresponderá à manifestação final da Coordenação de Fiscalização. Em virtude da complexidade do caso, exemplificada acima de maneira bastante sucinta, tal documento será submetido à revisão por diferentes servidores da Coordenação-Geral de Fiscalização, mecanismo imprescindível para uma decisão acurada tecnicamente. Apesar de tal complexidade e do envolvimento de atores diversos, a resolução do processo é prioritária; por esse motivo, há a estimativa de que o seu encerramento ocorra em cerca de 60 dias”.

O que a ANPD não conta em sua resposta é que a promessa foi feita no item 7.1.4. da Nota Técnica 49/2022/CGF/ANPD e ocorreu, pasmem, em 06.05.2022! Ou seja, há mais de 2 anos! E ainda pediu um tempo extra! É um absurdo!

O que mais assusta é o entorno da ANPD, que segue a mesma linha lógica e ignora os problemas práticos dos titulares de dados. Nesse sentido, o Conselho Nacional da Proteção de Dados (CNPD), de forma lapidar, apresenta como sugestão de regulação algo sem qualquer aderência prática:

“Proteção de dados de crianças e adolescentes pelo poder público e pelo sistema de garantia de direitos, tendo em vista a superexposição, a proteção da imagem e a reputação de crianças (sharenting) e a proteção integral de kids influencers”2

Proposição esta que não enfrenta o art. 14 da LGPD, os modelos de negócios dos controladores ou o Estatuto da Criança e do Adolescente. Aí temos a certeza de que o caminho será longo e totalmente contrário aos interesses dos titulares de dados.

O futuro de nossa sociedade depende da atuação de todos na investigação sobre a coleta e o tratamento de dados pessoais por empresas e governos. Em face do segredo e da proteção dos infratores, a ANPD não é um órgão que, em sua atual formatação, possa ser considerada confiável para fiscalizar e regular estes assuntos. E, pior, a ANPD ainda quer abraçar a Inteligência Artificial, o que vai tornar insustentável a vida de todos os titulares de dados brasileiros.

Há que se fazer uma profunda mudança nesta autarquia especial, pensaria mesmo até em refunda-la, pois com ela a sociedade brasileira aumenta em muito a sua exposição ao risco de tratamento ilegal e inconstitucional de dados pessoais.

Além da META e do TIK TOK, outras empresas devem ser investigadas acerca do tratamento ilegal de dados de crianças e de adolescentes. Pelo que se sabe, ao coletar os dados, as empresas e os governos não fazem diferenciações técnicas ou distinções qualitativas entre os dados pessoais, sensíveis ou não, de crianças ou não, etc. Tudo vai para o mesmo servidor sob a mesma segurança da informação.

Esse estado de insegurança jurídica e de falta critérios técnicos para a implantação dos mecanismos de segurança da informação, causados pela ineficiência da ANPD, são fatores determinantes para a hipervulnerabilidade do titular frente a quem controla seus dados.

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